Uma parte importante do projeto de pesquisa para a patrimonialização do congo do ES diz respeito às formas musicais, desdobrando-se no estudo dos instrumentos, na compilação das toadas, na notação musical e no registro das performances. Semelhanças e variações musicais permitem perceber os deslocamentos e encontros entre as bandas e outras influências.
À maneira como já nos posicionamos em outro post, nossa pesquisa etnomusicológica faz uso das classificações e métodos da música para observar as formas musicais do congo, mas sem inscrevê-las no campo teórico-performático que chamamos de “música”.
Estas questões teóricas norteiam o trabalho de campo, e foi neste espírito que a equipe de pesquisa se propôs a priorizar o registro sonoro ao documentar a Festa do Caboclo Bernardo, que ocorreu em 02 de junho de 2019, em Regência Augusta, distrito de Linhares. A festa deste ano foi muito concorrida, com a participação de mais de 25 grupos de congo, jongo, folia de reis, ticumbi, reisado e congada.
A equipe de gravação, formada pelo prof. José Otavio Name, na câmera, e o bolsista de pesquisa Daniel Zürcher, operando o áudio, já havia realizado uma experiência de criação de uma “paisagem sonora”, a captação e edição do áudio de modo a expandir as percepções espaciais do espectador do vídeo. Foi na Fincada do Mastro da Banda Amores da Lua, no Natal de 2018:
O resultado é uma trilha de áudio que cria uma paisagem sonora rica e detalhada, gerando sensações de localização e presença, especialmente com o uso de fones de ouvido. Ao mesmo tempo, explicita as operações de manipulação das imagens sonora e visual da edição. Os vídeos de O Congueiro buscaram, sempre, ir além do mero “registro” das cenas, procurando uma releitura dos acontecimentos que equilibrasse as convenções documentais (quem fez o quê, quando e onde), com uma narrativa etnográfica apoiada por um intenso envolvimento pessoal com o universo do congo.
O equipamento se resumiu à câmera DSLR, com microfone, e um gravador de áudio tipo .wavde 48kHz/24bit, ambos regulados para um ângulo de captação de 120°. Como a câmera e o gravador estavam quase sempre posicionados em lados opostos entre si, havia sempre uma cobertura quase total do som que as bandas faziam.
As gravações foram, em seguidas, sincronizadas e editadas, gerando vídeos de doze bandas diferentes. O material bruto inclui quase o dobro disso em gravações de grupos de ticumbi, folia de reis e outros. Na edição, as quatro faixas de áudio (duas fontes estéreo) foram remixadas buscando explorar as nuances de cada instrumento em relação ao conjunto, de modo geral bastante forte, das apresentações das bandas de congo.
As variações de instrumentos, formas de tocar e de ritmos e melodias entre as bandas não é o que as torna distintas, isoladamente. Em seus conjuntos, as bandas se distinguem claramente entre si. De acordo com o que estamos observando nesta pesquisa, aquilo que chamamos de “música” não é, nas bandas de congo, dissociado de todo o resto: a dança, as vestes, as bandeiras, o mastro, a festa. A música é parte importante, e por isso se valoriza “tocar bem”. Vale a pena escutar, com atenção – e para isso recomendamos o uso de fones, em volume saudável – e perceber as diferenças de toque de cada banda.
O Projeto de Pesquisa Identificação e Registro do Congo do Espírito Santo como Patrimônio Cultural Imaterial Nacional (Patrimonialização do Congo do ES) foi criado através de uma parceria, via Termo de Execução Descentralizada, entre o IPHAN-ES e a Universidade Federal do Espírito Santo, com o apoio da FUCAM. Dá continuidade aos projetos “Saberes do Congo, saberes da Universidade”, da Prof.ª Elisa Ramalho Ortigão, e “O Congueiro”, do Prof. José Otavio Name, do Centro de Artes. Participam do projeto os bolsistas de pesquisa João Victor dos Santos e Daniel Zürcher.
Publicado por ocongueiro
Congo do Espírito Santo
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