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A pesquisa de identificação dos bens culturais relativos ao congo do Espírito Santo propõe-se a documentar, criticamente, as formas de expressão desta cultura devocional. Como bem imaterial, o congo está presente na vida de seus detentores – Mestres, Rainhas, dançarinas e conguistas das bandas de congo; e manifesta-se em seus gestos, palavras, vestes, bandeiras e estandartes, toadas e instrumentos.
A musicalidade é, sem dúvida, uma parte importante das formas de expressão do congo. No prefácio de Etnomusicologia no Brasil, Samuel Araújo nos lembra que
“música”, termo que tantos utilizam como se universal fosse, seria tão somente um termo criado em determinado contexto ocidental, porém de aplicação muitas vezes precária, impositiva e/ou mesmo violenta a outras práticas e saberes, que quase sempre subvertem os domínios estanques do quadro kantiano das artes. (2016, p. 8).
Ou seja, a presença de instrumentos e melodias não nos permite apreender o congo somente pela música, que no caso se configura insuficiente para um entendimento mais profundo das manifestações. Como ocorre com as demais expressões do congo que poderíamos chamar de “arte”, como as vestimentas, as bandeiras e estandartes, e as danças, as concepções do fazer artístico ocidental institucionalizado são insuficientes, e limitadoras, se não levam em consideração as concepções e usos que os conguistas conferem aos instrumentos, aos cantos e à dança.
Como parte deste estudo, a equipe do projeto de Patrimonialização do Congo do ES está visitando os artesãos que confeccionam os principais instrumentos musicais do congo: tambores e casacas. As primeiras conversas com os artesãos é anterior a este projeto, e se originou das pesquisas de José Otavio Name e Elisa Ramalho Ortigão vêm realizando desde 2014. Neste projeto, no entanto, este aspecto tem grande importância, pois reflete as transformações concretas que o congo, como bem imaterial, sofre ao longo do tempo.
O primeiro a ser entrevistado no âmbito deste estudo foi o Mestre Artesão Domingos Teixeira, oriundo da Serra, mas atualmente vivendo em Guarapari. Mestre Domingos define os toques da casaca de forma bastante peculiar, por meio de frases que emulam os sons tirados do instrumento, como se pode ver nesta entrevista realizada em 2017:
Em seguida, visitamos o Mestre Artesão Vitalino Rego, casaqueiro da Barra do Jucu, Vila Velha. Membro da Banda Mestre Honório, Mestre Vitalino é também compositor, como nos mostrou com este jongo em homenagem ao seu mentor, Mestre Honório:
Cadê o velho, onde tá o velho Mestre? Tô morrendo de saudade do meu velho amigo mestre. Cadê o velho, morador de Itapuera? Tinha um pedaço de chão, e um chão de boa terra. Cadê o velho, de andar bem malandrinho? Deixava sempre seu rastro, seguindo o mesmo caminho. Cadê o velho, que tinha sangue de congueiro? Trazia a caixa no ombro, e as baquetas entre os dedos. Cadê o velho, amigo de Daniel? Trazia uma listra branca, no azul de seu chapéu. Fiz este jongo, me inspirei olhando o céu. Lá eu vi Mestre Honório me acenando seu chapéu.
O projeto visitou também o Mestre Artesão Wander Silva de Oliveira, conhecido como Sagrilo, em sua oficina em Carapebus, Serra. Sagrilo também desenvolve, há mais de vinte anos, o projeto “Instrumentarte”, com o objetivo de levar o congo às escolas, contribuindo para sua continuidade, e enfrentando o preconceito com que a devoção é vista, através da formação de novas gerações que conheçam, realmente, seus fundamentos.
A pesquisa ainda irá entrevistar outros mestres artesãos de instrumentos do congo, assim como deverá dar atenção, também, aos artesãos que confeccionam as vestes, os estandartes e as bandeiras das bandas de congo.
O Projeto de Pesquisa “Identificação e Registro do Congo do Espírito Santo como Patrimônio Cultural Imaterial Nacional” (Patrimonialização do Congo do ES) foi criado através de uma parceria, via Termo de Execução Descentralizada, entre o IPHAN-ES e a Universidade Federal do Espírito Santo, com o apoio da FUCAM. Dá continuidade aos projetos “Saberes do Congo, saberes da Universidade”, da Prof.ª Elisa Ramalho Ortigão, e “O Congueiro”, do Prof. José Otavio Name, do Centro de Artes. Participam do projeto os bolsistas de pesquisa João Victor dos Santos e Daniel Zürcher.
LÜHNING, Angela; TUGNY, Rosângela Pereira de (orgs.). Etnomusicologia no Brasil. Salvador: EDUFBA, 2016.
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